quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A PROPÓSITO DE UMA EXPOSIÇÃO



Não sendo crítica de Arte, limito-me a lançar um olhar pessoal mas apurado sobre o surrealista-hiper-realista Gustavo Fernandes, que agora se desnuda desdobrando-se em grandes obras cujo mote era o vinho.
A Pintura que faz funde-se agora com a Fotografia, de consideráveis dimensões em que, num fundo monumental e grandioso, se destacam, à vez, pormenores, objectos, paisagens que lhe dão um real toque surrealista.
Em tempos, Gustavo Fernandes afirmou que “Cada obra vive por si” e eu acrescento que é pela qualidade e originalidade que vingam e sobrevivem as suas, permitindo assim, há 25 anos, a subsistência do artista que se dedica 100% à pintura, guiado por um dom, num caminho unívoco.
Autodidacta, criativo, sem dúvida invulgar e arrojado, Gustavo Fernandes traduz, frequentemente, sonhos, visões e premonições desta dimensão e de outras que ainda não retratou.
Há nele uma constante procura de respostas, de tentativas de interpretação dos sinais, como se de um dicionário de sonhos se tratasse.
Pinta de forma genuína, fazendo com que os seus quadros, ultimamente “kingsize”, nos tomem de assalto, fazendo-nos reféns voluntários das tramas e das narrativas que apresenta com coragem e que suscitam surpresa e admiração.A cada nova mostra, mais um estimulante desafio à imaginação de quem passa, pára e
olha. Como um peixe a quem é lançado um anzol…que morde, sem resistência.
No quotidiano vai beber inspiração aos ambientes que mais o incentivam a criar e recria, então, de forma quase cirúrgica, atmosferas românticas, sensuais, algumas quase eróticas, em telas a revelar cenários de evidente maturidade.
Ao degustar a obra que faz, sente-se cada vez mais uma certa rebeldia e inconformismo, a incessante busca da liberdade que o artista deseja e pratica de forma sistemática. Para isso, age através de tintas, pincéis, bronzes e flashes, movendo-se, com enorme destreza e franco à-vontade, na pintura e no desenho como na escultura e na fotografia. Como eclético peixe-voador, em terra e no ar como no mar…
A sua paleta de cores é variada, em matizes e gamas que utiliza com técnica rigorosa, com muita perícia e respeito pelos materiais, aqui, suportes dos impulsos mágicos e dos frémitos de génio que caracterizam o homem que assina a já vasta obra.
Um olhar desprendido pelas telas e pelas fotos transporta-nos para um ora recatado ora exuberante porto de abrigo de emoções…fortes por igual, para apreciadores ou abstémios. Bebendo ou não do néctar dos Deuses, a sua pintura embriaga mas não nos adormece os sentidos…Baco está lá, escondido entre as tonalidades quentes, presente em ambientes estranhos, inóspitos ou intimistas, ou ainda, a provocar entre paisagens com odores e sabores, servidos de bandeja no Museu do Vinho.
Bebem-se límpidos poemas profundos, nestes quadros que registam um encanto e um encontro com a vida e uma celebração constante, extensível a quem os vê, com medos, dúvidas, recordações e esperanças.
Numa vertigem surreal, despontam cores luxuriantes, densas, em quase relevo nos traços fortes, que por vezes irrompem, violentos, num acervo que é, também, uma história reinventada dos sentimentos deGustavo Fernandes, ressurgido como se fosse um sortilégio vivo que nada nem ninguém abate. Os quatro elementos estão presentes nas obras que eternizam o olhar mágico do pintor-escultor do tempo, que também fotografa memórias ancestrais, desejos universais, descodificando-os. Desta vez, investe também na carnalidade do mosto ao rosto, passando pelo corpo etéreo, espiritual, sensual, a amadurecer, em repouso, à espera que o apreciem devidamente enquanto envelhece com arte e sem pressas, como deve ser a vida. Como um moderno escanção que sente a textura envolvente e o sabor aveludado da existência do Homem, Gustavo Fernandes segue trilhando novos caminhos mas continua, no entanto, a não esquecer de onde vem, a não fazer concessões, a não ser submisso a nada nem a ninguém, para além da tela virgem ou do papel branco em que procura impregnar a perfeição, a sua essência e a imprimir as respostas que a ele mais agradam, numa justaposição de linguagens que, no fundo, se complementam.
Gustavo Fernandes soube bem aproveitar o auspicioso golpe de asa com que se estreou e que sempre, tão bem, desenvolveu. Continua a conquistar…ao demonstrar talento e experiência, ao dar provas de caminho feito percorrido a pulso ao longo de uma vida interior profunda, rica e muito intensa. Não evita a solidão e a
mágoa, a alegria e a tristeza, nem sequer a raiva…uma doce sensualidade transborda do cromatismo exuberante que usa e abusa, praticado num misto de tensão, desejo, saudade, emoções, implosão e explosão, aventura, prazer e risco, nada fazendo adivinhar a só aparente calma que caracteriza o pintor, afinal nada
fleumático.
À falta de braços de gigante com que abraçar o mundo como gostaria, Gustavo Fernandes voa para paragens longínquas, de onde pela arte, com indiscutível talento e mestria, recria a terra e os sonhos que dão outros mundos ao mundo.
Em suma, 1964 deu uma boa casta: Gustavo Fernandes nasceu, desenvolveu-se durante 13 anos no Canadá e veio amadurecer e criar raízes em Portugal, onde tem feito obra apetitosa o ano inteiro, nada sazonal como o vinho que serve de desculpa à mostra que agora se inaugura.
215 exposições , 40 delas individuais, 30 conjuntas e de grupo, falam por si. Gustavo Fernandes tem participado em mostras de Arte Contemporânea no estrangeiro, está representado em acervos institucionais, públicos e privados e em diversas colecções, em vários países. Três vezes premiado, nem se contam aqui as
razões que tornam quase obrigatória uma visita a Arruda dos Vinhos. Até à Páscoa de 2009, quem tomar um trago de Gustavo Fernandes vai ficar fiel ao travo e ao sabor desta obra exótica que apetece e cumpre aquilo que promete e onde talvez ainda consiga descortinar outros paladares que não venham no rótulo…

Ana Paula Almeida
13 de Setembro 2008

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